sábado, 11 de maio de 2013

Reflexões sobre o uso da termo Psicologia Canina – Psicólogo Canino – Por Ivan Chitolina



Reflexões sobre o uso da termo Psicologia Canina – Psicólogo Canino – Por Ivan Chitolina

No dia-a-dia ouvimos com freqüência o termo psicologia ser utilizado. Essa utilização possui diversos sentidos, sejam eles quando nos deparamos com um bom vendedor ou quando ligamos para um amigo que sempre nos ouve com atenção. Para um dizemos que ele usa de “psicologia” para vender seu produto e para o outro dizemos que ele é um bom ouvinte, portanto, seria um bom psicólogo. Seria essa a psicologia dos psicólogos? Não! Essa psicologia usada no cotidiano pelas pessoas tem a sua importância, porém, é denominada de psicologia do senso comum.  A psicologia dos psicólogos é a psicologia cientifica. No entanto, o que seria essa tal de Psicologia cientifica?
Sendo a psicologia uma de suas áreas, começarei explicando o que é ciência.
A ciência compõe-se de um conjunto de conhecimentos sobre fatos ou aspectos da realidade (objeto de estudo), expresso através de uma linguagem precisa e rigorosa. Esses conhecimentos devem ser obtidos de maneira programada, sistemática e controlada, para que se permita a verificação de sua validade. Assim, podemos apontar o objeto dos diversos ramos da ciência e saber exatamente como determinado conteúdo foi construído, possibilitando a reprodução da experiência. O saber pode assim ser transmitido, verificado, utilizado e desenvolvido.
Essa característica da produção cientifica possibilita sua continuidade: um novo conhecimento é produzido sempre a partir de algo anteriormente desenvolvido. Nega-se, reafirma-se, descobrem-se novos aspectos, e assim a ciência avança. Nesse sentido, a ciência caracteriza-se como um processo. Vale lembrar aos colegas adestradores que a teoria da dominância passou por esse processo, hoje ela serve como referência de como se pensava antigamente alguns aspectos do comportamento canino. Em outras palavras, ela se encontra no lixo do conhecimento histórico cientifico, assim como várias outras teorias de diversas áreas que ao longo do tempo também foram refutadas e descartadas como hipótese plausível.
Outro aspecto importante da ciência é que ela aspira a objetividade. Suas conclusões devem ser passíveis de verificação e isentas de emoção, para, assim, tornarem-se válidas para todos.
Concluindo: a ciência deve ter um objeto especifico linguagem rigorosa, métodos e técnicas específicas, processo cumulativo do conhecimento e objetividade. Sendo assim, o processo de conhecimento cientifico supera em muito o conhecimento espontâneo do senso comum. Vamos agora a Psicologia propriamente dita.
Logos deriva do grego que por sua vez significa razão. Psico deriva do grego psyché que por sua vez significa alma. Portanto, etimologicamente, psicologia significa “estudo da alma”. A alma ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção.
Na filosofia, os filósofos pré-socráticos preocupavam-se em definir a relação do homem com o mundo através da percepção. Em Sócrates (469-399 a.C), a Psicologia na Antiguidade ganha consistência. Sua principal preocupação era com o limite que separa o homem dos animais. Desta forma, postulava que a principal característica humana era a razão. A razão permitia ao homem sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da irracionalidade. Ao definir a razão como peculiaridade do homem, Sócrates abre um caminho que seria muito explorado pela Psicologia. As teorias da consciência são de certa forma, frutos dessa primeira sistematização na Filosofia.
Platão (427-347 a.C), discípulo de Sócrates procurou definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo. Definiu esse lugar como sendo a cabeça. A medula, portanto seria o elemento de ligação da alma com o corpo. Para Platão, a alma era separada do corpo.
Eis que surge Aristóteles (384-322 a.C), discípulo de Platão. Sua contribuição foi inovadora ao postular que alma e corpo não podem ser dissociados. Para Aristóteles, a psyché seria o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta possui sua psyché ou alma. Desta forma, os vegetais, os animais e o homem teriam alma. Os vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela função de alimentação e reprodução. Os animais teriam essa alma e a alma sensitiva, que tem a função de percepção e movimento. E o homem teria os dois níveis anteriores e a alma racional, que tem a função pensante.
Ele chegou a estudar as diferenças entre a razão, a percepção e as sensações. Esse estudo está sistematizado no Da anima, que pode ser considerado o primeiro tratado em Psicologia.
Seria interessante aos colegas adestradores, a leitura desse estudo.
2.300 anos antes do advento da Psicologia cientifica os gregos já haviam formulado duas “teorias”: a platônica, que postulava a imortalidade da alma e a concebia separada do corpo, e a aristotélica, que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao corpo.
Ora, as pesquisas em comportamento canino apenas começaram e mesmo assim os termos psicologia canina e psicólogo canino são amplamente difundidos no mercado.
Apoderar-se de termos que não são reconhecidos por nenhum instituto de pesquisa, onde não existem cursos de graduação de psicologia canina e tampouco nenhum que seja reconhecido pelo MEC, é no mínimo um equivoco, um auto-engano e uma pretensão nada humilde de quem os utiliza. Terapeuta canino existe, são os veterinários, eles sim são reconhecidos legalmente e eticamente pelos órgãos competentes, como aptos a realizarem terapias que auxiliem a saúde do cachorro. Portanto essa história de não ser treinador, mas sim um terapeuta canino, cabe aos veterinários afirmarem e não a treinadores desatualizados do show business. Por favor, caros colegas, assumam as suas identidades de adestradores (independente da modalidade de treino e atuação), e limpem as suas mentes de toda essa terminologia cool, que serve apenas para que o cliente sinta que está contratando um “psicólogo canino” e não um adestrador. Quem faz isso, presta um grande desfavor a profissão de adestrador. Um psicólogo em sua atuação, deve se basear em abordagem especifica, realizar supervisão com um psicólogo mais experiente e realizar a sua própria terapia. Isso, fora as especializações.
São condições exigidas pelo conselho de ética e pela metodologia cientifica da profissão, para que assim ele não cometa transferências que poderão prejudicar a relação terapêutica, bem como ele possa avaliar a sua atuação como profissional em cada caso atendido. Também existem procedimentos de registros específicos que devem seguir a metodologia cientifica da profissão. Com base nisso, eu gostaria de convidar algum “psicólogo canino” para que apresente o objeto de estudo da sua ciência, a metodologia cientifica da sua profissão e exemplifique como funciona o registro de seus atendimentos e os órgãos que validam a profissão e fiscalizam a mesma.
Há ainda quem afirme que existindo as matérias de Psicologia animal e Psicobiologia em faculdades de Biologia, Zootecnia e Veterinária, é prova de que a psicologia canina exista. Entender os mecanismos neuroquímicos e fisiológicos dos seres vivos e como esses mecanismos se dão no Sistema Nervoso Central e se manifestam com o meio e em comportamentos é o objeto de estudo de tais matérias. Essas matérias não definem o entendimento da psyché (alma) como seu objeto de estudo nos seres vivos. Já o “psicólogo canino” usa essa terminologia dando ênfase ao entendimento da psyché (alma) canina. Ora, não irei filosofar aqui se existe ou não alma, seja ela canina ou humana. Porém essa forma de atuação só tem eco no show-business, onde o que vende para o telespectador é o mistério, o encantamento, a pseudociência e soluções que parecem ser fáceis e rápidas de alcançar. O telespectador é leigo, entendo a ignorância dos mesmos, no entanto, me assusta treinadores terem esse conflito de identidade.
Por isso continuo afirmando, que a psicologia canina não existe. Hoje se têm mais pesquisas realizadas sobre a cognição canina e os sentidos caninos, por isso, não afirmo que em algum momento, um conhecimento como psicologia canina não possa ser aceito como definição de um saber e uma ciência. Porém, até lá, caros colegas, tem muito estudo, muita pesquisa a ser realizada.Vale aqui uma citação de parte do livro “Cão Senso” de Jonh Bradshaw, publicado pela editora Record –

Analisar a Inteligência canina não é simples. Assim como nunca poderemos saber precisamente como é o mundo interior da emoção canina, (e aqui acrescento, ele não produz cultura, partes importantes sobre o entendimento humano e a Psicologia), é provável que nunca estejamos certos de que os cães pensem do mesmo modo que nós. A ciência, até agora, tem sido incapaz de dizer-nos o quão conscientes de si mesmos os cães são, menos ainda de explicar se eles possuem qualquer coisa parecida com os nossos pensamentos conscientes. Isso não é surpreendente, já que nem os cientistas e nem os filósofos parecem concordar com o que seja a consciência humana, muito menos a dos animais. No entanto, é possível examinar, cientificamente, se os cães podem ou não fazer várias coisas e, depois, inferir os tipos de pensamentos que poderiam ter sobre isso, se tivermos em mente que, como cães, podem não ter as mesmas prioridades que nós (ou outros animais), teríamos na mesma situação”.

Concluindo, não serão adestradores com conflitos de identidade que irão validar esse saber, mas sim um corpo de pesquisadores com bagagem de conhecimento cientifico adquirido através de anos que irão nomear o termo adequado, podendo ser psicologia canina ou não, para um entendimento mais profundo sobre os cães.  
Um grande abraço a todos.


Ivan Chitolina – Adestrador Profissional (com muito orgulho dessa terminologia – Adestrador) e diretor do Centro de Treinamento e Hospedagem de Cães – Cão do Mato.


Bibliografia: “Psicologias” (Ana M. Bahia Bock, Odair Furtado, Maria de Lourdes T. Teixeira). Editora – Saraiva.






Um comentário:

  1. Texto "iluminado" Ivan. Bom seria se todos tivessem acesso a essa reflexão. Incluiria, ai, a visão sobre a adoção do termo cinotécnico aos que dedicam seu trabalho às atividades que vão além dos protocolos de "tornar hábil" (adestrar), bem como a nomenclatura de "condutores" para aqueles que realizam tão somente esse tipo de função. Ou seja, há nomenclaturas adequadas para cada função e a de Psicologo Canino deve, realmente, ser abolida. abç. JOTA

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