Reflexões sobre o uso da termo Psicologia Canina – Psicólogo Canino – Por Ivan Chitolina
No dia-a-dia ouvimos com
freqüência o termo psicologia ser utilizado. Essa utilização possui diversos
sentidos, sejam eles quando nos deparamos com um bom vendedor ou quando ligamos
para um amigo que sempre nos ouve com atenção. Para um dizemos que ele usa de
“psicologia” para vender seu produto e para o outro dizemos que ele é um bom
ouvinte, portanto, seria um bom psicólogo. Seria essa a psicologia dos
psicólogos? Não! Essa psicologia usada no cotidiano pelas pessoas tem a sua
importância, porém, é denominada de psicologia do senso comum. A psicologia dos psicólogos é a psicologia
cientifica. No entanto, o que seria essa tal de Psicologia cientifica?
Sendo a psicologia uma de suas
áreas, começarei explicando o que é ciência.
A ciência compõe-se de um
conjunto de conhecimentos sobre fatos ou aspectos da realidade (objeto de
estudo), expresso através de uma linguagem precisa e rigorosa. Esses
conhecimentos devem ser obtidos de maneira programada, sistemática e
controlada, para que se permita a verificação de sua validade. Assim, podemos
apontar o objeto dos diversos ramos da ciência e saber exatamente como
determinado conteúdo foi construído, possibilitando a reprodução da
experiência. O saber pode assim ser transmitido, verificado, utilizado e
desenvolvido.
Essa característica da produção
cientifica possibilita sua continuidade: um novo conhecimento é produzido
sempre a partir de algo anteriormente desenvolvido. Nega-se, reafirma-se,
descobrem-se novos aspectos, e assim a ciência avança. Nesse sentido, a ciência
caracteriza-se como um processo. Vale lembrar aos colegas adestradores que a
teoria da dominância passou por esse processo, hoje ela serve como referência de
como se pensava antigamente alguns aspectos do comportamento canino. Em outras
palavras, ela se encontra no lixo do conhecimento histórico cientifico, assim
como várias outras teorias de diversas áreas que ao longo do tempo também foram
refutadas e descartadas como hipótese plausível.
Outro aspecto importante da
ciência é que ela aspira a objetividade. Suas conclusões devem ser passíveis de
verificação e isentas de emoção, para, assim, tornarem-se válidas para todos.
Concluindo: a ciência deve ter um
objeto especifico linguagem rigorosa, métodos e técnicas específicas, processo
cumulativo do conhecimento e objetividade. Sendo assim, o processo de
conhecimento cientifico supera em muito o conhecimento espontâneo do senso
comum. Vamos agora a Psicologia propriamente dita.
Logos deriva do grego que por sua vez significa razão. Psico deriva
do grego psyché que por sua vez
significa alma. Portanto, etimologicamente, psicologia significa “estudo da
alma”. A alma ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e
abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o
desejo, a sensação e a percepção.
Na filosofia, os filósofos
pré-socráticos preocupavam-se em definir a relação do homem com o mundo através
da percepção. Em Sócrates (469-399
a.C), a Psicologia na Antiguidade ganha consistência.
Sua principal preocupação era com o limite que separa o homem dos animais.
Desta forma, postulava que a principal característica humana era a razão. A
razão permitia ao homem sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da
irracionalidade. Ao definir a razão como peculiaridade do homem, Sócrates abre
um caminho que seria muito explorado pela Psicologia. As teorias da consciência
são de certa forma, frutos dessa primeira sistematização na Filosofia.
Platão (427-347 a.C), discípulo de
Sócrates procurou definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo.
Definiu esse lugar como sendo a cabeça. A medula, portanto seria o elemento de
ligação da alma com o corpo. Para Platão, a alma era separada do corpo.
Eis que surge Aristóteles (384-322 a.C), discípulo de
Platão. Sua contribuição foi inovadora ao postular que alma e corpo não podem
ser dissociados. Para Aristóteles, a psyché
seria o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se
alimenta possui sua psyché ou alma. Desta forma, os vegetais, os animais e o
homem teriam alma. Os vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela
função de alimentação e reprodução. Os animais teriam essa alma e a alma
sensitiva, que tem a função de percepção e movimento. E o homem teria os dois
níveis anteriores e a alma racional, que tem a função pensante.
Ele chegou a estudar as
diferenças entre a razão, a percepção e as sensações. Esse estudo está
sistematizado no Da anima, que pode
ser considerado o primeiro tratado em Psicologia.
Seria interessante aos colegas
adestradores, a leitura desse estudo.
2.300 anos antes do advento da
Psicologia cientifica os gregos já haviam formulado duas “teorias”: a platônica, que postulava a imortalidade
da alma e a concebia separada do corpo, e a aristotélica, que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de
pertencimento ao corpo.
Ora, as pesquisas em
comportamento canino apenas começaram e mesmo assim os termos psicologia canina
e psicólogo canino são amplamente difundidos no mercado.
Apoderar-se de termos que não são
reconhecidos por nenhum instituto de pesquisa, onde não existem cursos de
graduação de psicologia canina e tampouco nenhum que seja reconhecido pelo MEC,
é no mínimo um equivoco, um auto-engano e uma pretensão nada humilde de quem os
utiliza. Terapeuta canino existe, são os veterinários, eles sim são
reconhecidos legalmente e eticamente pelos órgãos competentes, como aptos a
realizarem terapias que auxiliem a saúde do cachorro. Portanto essa história de
não ser treinador, mas sim um terapeuta canino, cabe aos veterinários afirmarem
e não a treinadores desatualizados do show business. Por favor, caros colegas,
assumam as suas identidades de adestradores (independente da modalidade de
treino e atuação), e limpem as suas mentes de toda essa terminologia cool, que
serve apenas para que o cliente sinta que está contratando um “psicólogo
canino” e não um adestrador. Quem faz isso, presta um grande desfavor a
profissão de adestrador. Um psicólogo em sua atuação, deve se basear em
abordagem especifica, realizar supervisão com um psicólogo mais experiente e
realizar a sua própria terapia. Isso, fora as especializações.
São condições exigidas pelo
conselho de ética e pela metodologia cientifica da profissão, para que assim
ele não cometa transferências que poderão prejudicar a relação terapêutica, bem
como ele possa avaliar a sua atuação como profissional em cada caso atendido.
Também existem procedimentos de registros específicos que devem seguir a
metodologia cientifica da profissão. Com base nisso, eu gostaria de convidar
algum “psicólogo canino” para que apresente o objeto de estudo da sua ciência,
a metodologia cientifica da sua profissão e exemplifique como funciona o
registro de seus atendimentos e os órgãos que validam a profissão e fiscalizam
a mesma.
Há ainda quem afirme que existindo
as matérias de Psicologia animal e Psicobiologia em faculdades de Biologia,
Zootecnia e Veterinária, é prova de que a psicologia canina exista. Entender os
mecanismos neuroquímicos e fisiológicos dos seres vivos e como esses mecanismos
se dão no Sistema Nervoso Central e se manifestam com o meio e em
comportamentos é o objeto de estudo de tais matérias. Essas matérias não
definem o entendimento da psyché (alma)
como seu objeto de estudo nos seres vivos. Já o “psicólogo canino” usa essa
terminologia dando ênfase ao entendimento da psyché (alma) canina. Ora, não irei filosofar aqui se existe ou não
alma, seja ela canina ou humana. Porém essa forma de atuação só tem eco no
show-business, onde o que vende para o telespectador é o mistério, o
encantamento, a pseudociência e soluções que parecem ser fáceis e rápidas de
alcançar. O telespectador é leigo, entendo a ignorância dos mesmos, no entanto,
me assusta treinadores terem esse conflito de identidade.
Por isso continuo afirmando, que
a psicologia canina não existe. Hoje se têm mais pesquisas realizadas sobre a
cognição canina e os sentidos caninos, por isso, não afirmo que em algum
momento, um conhecimento como psicologia canina não possa ser aceito como
definição de um saber e uma ciência. Porém, até lá, caros colegas, tem muito
estudo, muita pesquisa a ser realizada.Vale aqui uma citação de parte do livro
“Cão Senso” de Jonh Bradshaw, publicado pela editora Record –
“Analisar a Inteligência canina não é simples. Assim como nunca
poderemos saber precisamente como é o mundo interior da emoção canina, (e
aqui acrescento, ele não produz cultura, partes importantes sobre o
entendimento humano e a Psicologia), é
provável que nunca estejamos certos de que os cães pensem do mesmo modo que
nós. A ciência, até agora, tem sido incapaz de dizer-nos o quão conscientes de
si mesmos os cães são, menos ainda de explicar se eles possuem qualquer coisa
parecida com os nossos pensamentos conscientes. Isso não é surpreendente, já
que nem os cientistas e nem os filósofos parecem concordar com o que seja a
consciência humana, muito menos a dos animais. No entanto, é possível examinar,
cientificamente, se os cães podem ou não fazer várias coisas e, depois, inferir
os tipos de pensamentos que poderiam ter sobre isso, se tivermos em mente que,
como cães, podem não ter as mesmas prioridades que nós (ou outros animais),
teríamos na mesma situação”.
Concluindo, não serão adestradores com conflitos de identidade que irão
validar esse saber, mas sim um corpo de pesquisadores com bagagem de
conhecimento cientifico adquirido através de anos que irão nomear o termo
adequado, podendo ser psicologia canina ou não, para um entendimento mais
profundo sobre os cães.
Um grande abraço a todos.
Ivan Chitolina – Adestrador
Profissional (com muito orgulho dessa terminologia – Adestrador) e diretor do
Centro de Treinamento e Hospedagem de Cães – Cão do Mato.
Bibliografia: “Psicologias” (Ana
M. Bahia Bock, Odair Furtado, Maria de Lourdes T. Teixeira). Editora – Saraiva.